Wilke-Steinhof

             "Pior do que o medo do desconhecido que esconde não se sabe que ameaças, era o horror de conhecer os perigos que se escondem por detrás do que nos é próximo e familiar. Aquele casal na mesa do canto com os seus dois filhos escolhera viver na ignorância, sabendo que esse era o único modo de serem felizes, partindo do silogismo de que o conhecimento equivale ao sofrimento, e o desconhecimento à felicidade. No entanto, esse era um silogismo falacioso que conduzia a um resultado forçosamente errado. Não se podia fazer marcha-atrás e voltar a não saber. Era necessário um esforço deliberado de recalcamento, a formação voluntária de um trauma em que se era recompensado com a paz de espírito oferecida pelo esquecimento, gémeo falso da ignorância. Só assim lhes era possível dormir descansados à noite sem que a consciência lhes pesasse. Dar a comer à sua própria prole carne de uma vaca alimentada com carne triturada de outra vaca misturada com areia e cabelo humano, lançando-as numa espiral descendente de canibalismo autofágico e escatológico, seria mais do que suficiente para causar insónias ao mais negligente dos progenitores. Mas não. Aquela era uma família digna de figurar num desses anúncios protagonizados por uma versão idealizada de si mesma."

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