A espada de Deus

"Nos dias mais decadentes do meu alcoolismo, costumava frequentar um bar na zona velha de Saint Paul chamado Nikita. Afastava-me de casa o mais que podia, a mesma casa que tinha dividido com Chloe durante alguns meses, até ao dia em que ela se fartou das minhas inseguranças e paranóias. De entre os estabelecimentos que se mantinham abertos bem para lá das duas da manhã, o Nikita era o meu preferido. Sentava-me numa mesa do canto e passava as noites a beber, alternando a leitura com a escrita, apesar da música alta, das luzes e do fumo. Curiosamente, conheci ali algumas mulheres interessantes, que se aproximavam da minha mesa querendo saber que livro estava a ler ou o que estava a escrever no meu moleskine. Apesar de, na maior parte das vezes, me deixarem sossegado no meu canto com a minha garrafa e os meus livros, não era assim tão invulgar alguém querer sentar-se à minha mesa e partilhar comigo as suas mágoas. Quando me perguntavam se eu era escritor, era porque já estavam convencidos disso mesmo. Viam-me a escrevinhar no meu bloco e vinham preparados para me contar uma história qualquer que daria um livro interessantíssimo. Dava-lhes sempre o benefício da dúvida, mas nove em cada dez eram episódios pouco estimulantes do ponto de vista literário. Houve um indivíduo, no entanto, numa certa noite, quando o Nikita já estava quase vazio e a música a um nível bem mais aceitável, que se sentou à minha frente, do outro lado da mesa, fitando o seu copo durante cerca de quinze minutos, antes de declarar que tinha sido polícia. Chamava-se Amir Hatzefeld e tinha sido detective da Brigada de Homicídios da Polícia de Segurança Interna durante vinte anos. Vivia perto dali, numa cave, e não possuía televisão, computador, rádio ou telefone. Nas noites de insónia, percorria os escassos metros que separavam a sua casa do Nikita e bebia até ao amanhecer. Quando lhe perguntei por que razão abandonara a P.S.I., olhou-me nos olhos com uma intensidade maníaca durante o que me pareceu uns cinco minutos, como se estivesse a decidir se eu era de confiança ou não. Por fim, contou-me a sua história, calma e pausadamente, apenas se interrompendo para pedir uma nova rodada sempre que os copos, o seu e o meu, estavam perigosamente próximos de ficarem vazios."

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