Engel ex machina

"Naquela tarde, ouviu o bosque a chamá-la pelo seu nome.
‘Raphaela…’
Era uma voz sussurrada, uma voz que tanto podia ser de homem ou de mulher, a chamar por ela, suavemente, tentando, talvez, não assustá-la.‘Raphaela…’
O som vinha de uma das árvores, mas as árvores não falavam, pelo menos na vida real. Raphaela levantou-se, abandonando a manta que pusera no chão para não sujar o vestido enquanto escrevia e ilustrava uma das suas histórias. Avançou dois passos e parou, olhando para trás, por cima do ombro, na direcção do décimo andar da Torre B. A janela da cozinha estava aberta, mas não vislumbrou o rosto da mãe. Ouviu novamente o seu nome. Ao se aproximar da árvore, viu um homem sorridente. Vestia calças cinzentas e camisa branca. Sobre os seus ombros, viam-se as alças pretas de uma mochila. Era alto e magro, teria talvez a mesma idade que a sua mãe, embora o seu rosto fosse liso e macio, como se não tivesse deixado a puberdade surpreendê-lo.
‘Olá, Raphaela.’
‘Olá.’
Entre a curiosidade e o medo, Raphaela perguntou-lhe o nome.
‘Sebastian’, disse o desconhecido.
‘A minha mãe diz que eu não devo falar com estranhos.’
‘E diz muito bem. Aposto que também te diz para não correres com tesouras na mão… São bons conselhos, deves fazer sempre o que a tua mãe te diz. És filha da Carmen, não és?’
‘Sim’, disse Raphaela, o nome da sua mãe fazendo-a sentir-se menos apreensiva.
‘Ela costumava fazer limpezas na casa da minha mãe, há muitos anos. Gostas de desenhar?’
‘Sim.’
‘Eu também’, disse Sebastian, acocorando-se e tirando a mochila dos ombros. ‘Queres ver os meus desenhos? Podes mostrar-me os teus, se quiseres…’De dentro da mochila, Sebastian retirou um bloco A3 de capa azul e estendeu-lho. Raphaela avançou, sem hesitar, e recebeu-o com as duas mãos. Ao abri-lo, deparou-se com o seu rosto desenhado a carvão, um rosto redondo emoldurado por cabelos encaracolados, olhos sorridentes e sonhadores."

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