Vargas


"— Havia uma seita russa cujos seguidores acreditavam que o pénis simbolizava a serpente e os seios o fruto proibido.
— Sim, e depois?
— Os homens amputavam o pénis e as mulheres os seios. Para se distanciarem do pecado original.
— As coisas que tu sabes…
— Tens alguma coisa que se beba? — perguntou ele, levantando-se da cama, arrastando os pés em direcção à cozinha.
— Água, leite…
— Com álcool...
— Sumo de laranja… — continuou ela, fingindo não ter ouvido.
— Vinho! — gritou John, abrindo a porta do frigorífico.
— Amanhã vou para Londres — disse Ingrid, a cara encostada à ombreira da porta da cozinha.
— Quanto tempo vais ficar lá?
— Uma semana.
— Eu podia ir contigo.
— É melhor não. Vou passar a maior parte do tempo a trabalhar e o pouco tempo que tiver livre vai ser preenchido com estudo intensivo. Tenho exames daqui a um mês.
— Não sei como vou sobreviver uma semana sem ti — disse John, abraçando-a.
— Tenho a certeza de que vais arranjar alguma coisa com que te entreteres.
John julgou detectar uma nota de ironia no modo como Ingrid disse aquilo.
— O que queres dizer com isso?
— Nada, não sei. Não tens nenhum livro para escrever?
— Não escrevo desde que te conheci, nem uma linha.
— Lamento imenso.
— Não, não lamentes. É sinal de que estou a conseguir escapar da minha cabeça.
Enfiou a mão no bolso do casaco e tirou um cigarro.
— Não devias fumar, John, pelo menos assim tanto. Também não te fazia mal nenhum deixares de beber. Não percebo por que o fazes…
— Odeio-me e quero morrer.
— Não digas isso nem a brincar.
— Vou tentar deixar de fumar e de beber, prometo-te.
— Não te quero obrigar a fazer nada que seja contra a tua vontade.
— Eu quero fazer isto, por ti, meu amor, quero ser melhor.
Ingrid sorriu tristemente e beijou-o na face, como a mãe de uma criança problemática."

Sem comentários:

Enviar um comentário