Work in progress/ Obra em curso 2

"The only thing I feel when I kill 
is the recoil from my rifle."


Desconhecido




Max Lindberg tirou a cigarreira do bolso, uma prenda de Rebecca, a sua mulher, acendeu um cigarro e contemplou o objecto prateado por entre o fumo.
‘Dez cigarros por dia, não sei se vou aguentar’, queixou-se ele, parado no meio de uma das avenidas mais movimentadas de Saint Paul.
Da dezena que lhe era permitida fumar diariamente, restavam-lhe meia-dúzia. Eram nove horas da manhã. Quando chegasse a casa, depois de um dia de trabalho que se adivinhava complicado, tinha à sua espera vinte minutos a pedalar na bicicleta estática. Da ementa do jantar não constaria nada que pudesse obstruir-lhe as artérias ou causar-lhe hipertensão. Rebecca estava determinada a adiar a sua provável viuvez, pelo menos até Stefan passar no exame da Ordem e começar a exercer advocacia. Max temia ser alvejado na linha do dever e partir do mundo com apetites por saciar, tornando-se numa alma perdida, condenada a assombrar charcutarias e roulottes de hambúrgueres por toda a eternidade.
‘Com exercício regular, uma dieta equilibrada e sem tabaco, será mais fácil desviares-te das balas’, contrapunha Rebecca.
‘A continuar assim, não sei se vou querer desviar-me…’
O trânsito fora cortado em ambos os sentidos e direcionado para as ruas paralelas à avenida. A circulação de peões estava condicionada devido às barreiras montadas pela Polícia, motivando protestos de transeuntes, moradores e lojistas, entrecortados por tentativas de ver melhor a cena do crime. As cores dos semáforos mudavam do amarelo para o vermelho e do vermelho para o verde, indiferentes à ausência de tráfego.
A equipa forense atarefava-se de volta de uma carrinha dos Correios, um comercial ligeiro decorado com o caduceu de Hermes, fotografando tudo de todos os ângulos, fazendo medições, enquanto polícias de uniforme recolhiam os testemunhos dos automobilistas que tinham ficado parados atrás da viatura. O sinal ficara verde, e a carrinha dos serviços postais permanecera imóvel. Um coro de buzinas estridentes elevara-se numa sinfonia furiosa, instando o funcionário dos Correios a avançar, sem que se alcançasse o efeito desejado. Do meio da fila, um condutor mais afoito abandonou o seu veículo, cuspindo impropérios entrelaçados com ameaças de violência física. Recuou de horror e espanto ao ver o outro condutor de cabeça tombada para a frente, o habitáculo tingido de vermelho como se tivesse explodido uma lata de tinta no seu interior, o pára-brisas assemelhando-se a uma teia de aranha feita de gelo.
Terminado o trabalho da Polícia Científica, o corpo foi metido numa ambulância e transportado para o Instituto de Medicina Legal. Pouco depois, a carrinha dos Correios era levada às costas por um reboque da Polícia de Trânsito. O lugar deixado vago pela viatura retirada era agora ocupado por Max Lindberg, da Polícia Judiciária de Saint Paul, fumando um cigarro, ocupado a perscrutar o horizonte. A cerca de um quilómetro, do lado esquerdo, viam-se três torres de apartamentos, cada uma de doze andares. Do lado direito, eram duas as torres.
‘Ninguém ouviu o disparo’, disse o Comissário da Polícia, postando-se ao lado de Lindberg, as mãos atrás das costas.
‘Entreguei os papéis para a reforma’, disse Lindberg, esmagando o cigarro com a biqueira do sapato. ‘Ontem.’
‘Falei com o Inspector-Chefe, terás todos os meios à tua disposição para resolver isto. O Director dos Correios vem a caminho e não está nada contente.’
‘Nesse caso, é melhor começar já a trabalhar’, disse Max Lindberg, caminhando vagarosamente em direcção às torres de apartamentos.

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