Excerto do conto 'Johanna e os Demónios'

     Eram pessoas madrugadoras, como as do campo costumam ser. Por volta das dez da noite, a casa estava silenciosa e a aldeia adormecida. Os gatos andavam pelos telhados, e é verdade que à noite todos são pardos, pequenas sombras fugidias e ágeis, máquinas de busca e destruição. O pai de Johanna foi acordado pela voz da filha, que lhe lembrava a voz da falecida, e pensou que tivesse sido um sonho. Deixou-se ficar no escuro a olhar para o nada, à espera que o sono voltasse. Uma vez mais, ouviu a voz de Johanna, e então levantou-se. Atravessou o corredor e dirigiu-se para o quarto da filha. Nenhum dos irmãos parecia ter acordado com o barulho. Pela porta entreaberta, ouviu a filha a falar. 
     – Nach mir die Flut, nach mir die Glute… Die Maschinen werden steigen… 
     Empurrou a porta e viu-a sentada na cama. A pouca luz que entrava pela janela permitiu-lhe ver que a filha tinha uma mancha escura na camisa de noite, na parte que lhe cobria a entrada do corpo. Johanna olhou para lá do pai, como se este fosse transparente. 
     – Ich blute – murmurou tristemente. 
     Ele sabia o que era aquilo. Significava que a filha era agora uma mulher e que, em breve, lhe poderia dar um neto. O que ele não compreendia eram as suas palavras. Sentiu um pavor atroz, pavor de que Johanna fosse a nova morada do demo. Encostou a porta cuidadosamente e vestiu-se.

Sem comentários:

Enviar um comentário